"I am twenty, and my knees are healing. The boy across the street committed suicide and the neighborhood is silent. Rain is for breathing in the smell of change and kisses will always be poisonous. And you are the only thing that will always be infinite. "
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Que é que te habita, que é que está em ti e és tu!?
"(...) Então, bruscamente, ataca-me todo o corpo, as vísceras, a garganta, o absurdo negro, o absurdo córneo, a estúpida inverosimilhança da morte. Como é possível!? Onde a realidade profunda da tua pessoa, meu velho!? Onde, não os teus olhos, mas o teu olhar!?, não a tua boca mas o espírito que a vivia!? Onde, não os teus pés ou as tuas mãos mas aquilo que eras tu e se exprimia aí!? Vejo, vejo, céus, eu vejo aquilo que te habitava e eras tu e sei que isso não era nada, que era um puro arranjo de nervos, carne e ossos agora a apodrecerem. Mas o que me estrangula de pânico, me sufoca de vertigem é teres sido vivo, é tu estares ainda todo uno para mim, na memória do teu riso, no tom da tua voz, que era lenta, sossegada, nas ideias que punhas a viver entre nós, na realidade fulgurante de seres uma pessoa. Recordo-te totalizado, olho-te. Que é que te habita, que é que está em ti e és tu!? Não, não é a carne, não é o corpo: é aquilo que lá mora, aquilo que ainda dura de ti nestas salas, neste ar, aquilo que eras tu, o teu modo único de ser, aquilo a que nós falávamos, atravessando a tua parte visível. E no entanto, sei, sei que esse tu real que te habitava não era senão a tua morada; como o espaço de uma casa, a intimidade do home, são as paredes que o fazem: derrubada a casa, a intimidade que lá havia também morre. E desde quando o sei, desde quando!? A verdade aparece e desaparece (...) Que fazemos nós na vida? Que íncrivel pertinácia nos resolve numa ilusão toda a imensidade do milagre de estar vivo!? Era necessário que todos os homens vivessem em estado de lucidez, se libertasssem das pedras - estamos condenados a pensar com palavras, a sentir com palavras,, se queremos pelo menos, que os outros sintam connosco. Mas as palavras são pedras. Toda a manhã lutei não apenas com elas para me exprimir, mas ainda comigo para apanhar a minha evidência. - chegassem ao milagre de ver. Era absolutamente necessário que a vida se iluminasse na evidência da morte. Mais real do que o nascer é o morrer. Porque quem nasce é ainda nada. Mas quem morre é o universo, é a pura necessidade de ser. Um homem só é perfeito, só se realiza até aos seus limites depois de a morte não o poder supreender.(...)"
Vergílio Ferreira, Aparição