domingo, 31 de dezembro de 2017

Céptico

Há muito que não escrevo.

Todos os blogs morrem, este teria que morrer também, ou terá. Não agora, presumo.

Durante estes anos que não escrevo, tenho aprendido, e isso deixa-me contente. Nunca aprendo tanto quanto quero, mas também tenho aprendido a conviver melhor com isso. Com a insatisfação. É provável que enquanto cá estiver, ela continue. Mas também é provável que um dia acabe, quando acabar a ambição.

Tenho feito, o que também é importante. Mas sinto sempre que poderia fazer mais. Ironia (ou paradoxo?). Talvez, faça pouco. A verdade. Talvez haja proposições cuja verdade é sempre relativa. Mas nunca gostei do relativismo. Demasiado popular. Elitismo.

Talvez, sim, seja elitista. Não em termos económicos, seria impossível. Mas intelectuais. No entanto, não será o elitismo intelectual tão corrosivo como o económico?

Relações. Esta relação de relações não foi, contudo, inocente. (não me apetece falar disto, não posso, é normativo!)

Tenho de começar a escrever mais, talvez seja mesmo catártico. Reparei agora que utilizo demasiado o advérbio "talvez". Um psicanalista barato certamente diria que revela insegurança. Talvez revele. Mas talvez não. Fora de brincadeiras, julgo que não, honestamente. Outro psicanalista barato diria que o honestamente indica mentira. Um filósofo certamente diria que esta análise é, à partida, enviesada. O poeta diria que enviesado já não é tão rítmico; concordaria com ele. Gosto de poetas, parecem ser livres mas é uma visão externa também ela própria "enviesada" (biased, prefiro), acredito que nenhum poeta se consiga sentir verdadeiramente livre. A verdade, de novo?

Os livres nunca se consideram livres. É essa incapacidade, impossibilidade, de auto-análise fora de uma visão que não surja condicionada por um sujeito desde logo, a priori.

Saudades de escrever, parece ser ... libertador? Parece, as aparências retomam o problema das representações. Representação. Todo este texto o é. E nós? Representamos o quê? Talvez a questão não faça sentido, demasiado forçada, nós não temos que representar, só os nossos juízos.

A minha escrita parece ter mudado. Mas não. Há elementos comuns, diria o estudioso da literatura. Repare-se, contudo, que este não é poeta. Embora possa ser, caso o queira. Então, é e não é? O princípio do terceiro excluído ameaçado? As metáforas não têm força contra a lógica, foi só possibilidade - potencialidade aristotélica que não alcança a matéria. Culto?

Nem por isso. Gostava de ser mais.

Os problemas clássicos continuam, juntamente com as neuroses humanas. Parece haver uma condição, uma natureza, uma força comum: "o humano".

Ainda bem que descobri outra paixão: os malucos dos radicais (era bom que fossem todos, não é verdade). Esta paixão (repare-se pela adjetivação traçada) é civilizada. A escrita pode não o ser, mas a política tem que o parecer, ou deixa de ter poder. A política só não pretende parecer civilizada, quando é condenada pela revolução. É claro que talvez não o seja, de facto, civilizada. Mas não necessita de o ser, só necessita de o parecer. Jogo de sombras platónicas.

RETOMO a tese: "ainda bem que descobri outra paixão". Uns dias sinto-me frustrado por não conseguir dedicar-me apenas à filosofia (não é que isso fosse somente possível), mas noutros sinto-me sortudo por não correr o risco de a filosofia me deixar obcecado por ela. (mentes fracas, corações fracos, unidos).

Obsessão? Outra neurose clássica [ferida -> trauma]

Respondo, contudo, aos psicanalistas baratos, porque é que utilizo o talvez. Talvez, seja uma redundância (utilizar [tanto!] o próprio talvez), porque há uma evidência da falibilidade em todas as proposições (menos as matemáticas, TALVEZ). É essa falibilidade que tão fatalmente faz surgir o talvez. Daí que, similarmente, o talvez também seja redundante: tudo é talvez.

Um céptico, é verdade - com p -.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Adeus

Adeus - Eugénio de Andrade


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus

terça-feira, 6 de janeiro de 2015


"Medo da morte, não consigo ter/ mas outros mais humanos e banais/ medos que a gente tem mesmo sem querer/ como o medo que eu tenho de morrer/ só por querer viver um pouco mais."
Já não Estar, de Manuela de Freitas e José Mário Branco



quarta-feira, 18 de junho de 2014

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Olhares

Respiro o teu corpo: sabe a lua-de-água ao amanhecer, sabe a cal molhada, sabe a luz mordida, sabe a brisa nua, ao sangue dos rios, sabe a rosa louca, ao cair da noite sabe a pedra amarga, sabe à minha boca.
Eugénio de Andrade