sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Vulnerant omnes, ultima necat

Sentado na mesa daquele café, o tempo foge dos abismos da (minha?) consciência. Corre pelos trilhos do futuro sem saber, ele próprio – o que o esperará. E tão parecido que o tempo é com o homem. Treme mas caminha, caminha para a sua própria morte, num passo suicida. E o tempo passado tão velho e desgasto, torna-se presente, conquanto o presente correrá para atingir-se futuro. Os outros morrem, já mortos, só um existe. Mas o futuro, já cansado, mal sabe ele que também virá a ser passado. E o círculo continua, pensando que algum dia irá chegar ao fim, deixando as suas pegadas em areias famintas. Quando é que o tempo morre!?
Não o sinto, só o vejo passar – distante e efémero, infinito e fugaz. Que coisa tão bela é essa do tempo? Que nos leva o corpo e preenche a alma? Que mata e corrói a essência eterna do homem? Dá-nos a dádiva tão pouco celeste da finitude mas não nos dá a consciência. A consciência da finitude, direi. Existimos e vamos vivendo, sucumbindo aos gritos tão silenciosos do tempo com a morte a espreitar do fundo do seu caixão, qual Olimpo. E dói tanto, pensar que podemos existir não pensando. Mas como será possível existir a não pensar? A isso chamar-se-á o não-existir. Mas agora vejamos: como será não-existir!? Que coisa tão ridícula, tão funesta e sem-sentido. Se só conhecemos o existir, como poderemos algum dia não-existir!? Aprofundemos mais: o que conhecemos que não existe? Os mortos, os objetos partidos, o tempo. Mas ainda assim eles existem, não existem? Os mortos existem ainda que tão irremediavelmente mortos. E os objectos partidos existem ainda que como cacos do que foram e já não são. Mudança. Não quero cair no mesmo erro de Heraclito. É certo que um homem não se pode banhar duas vezes no mesmo rio mas algo não pode ser e não-ser ao mesmo tempo como nos relembrou Parménides. Portanto o que é um cadáver? É um homem morto mas que já não é homem, é apenas um morto ou será um homem morto? Lembrei-me. Ele existe mas não está vivo, porque para viver é preciso haver – e agora, desculpem-me pela linguagem tão corriqueira – actividade cerebral e ele não a tem – o dito cadáver, relembro. Um cadáver é portanto um homem que existe mas que não vive. Arrepia.