domingo, 13 de maio de 2012

De quem é o olhar




"De quem é o olhar 
Que espreita por meus olhos? 
Quando penso que vejo, 
Quem continua vendo 
Enquanto estou pensando? "

Nu.
Macio e leve, porém fogoso.
Belo e perfeito, porém assimétrico.
 
  O corpo nu, imóvel e inerte, jazia no soalho negro da minha sala, deitado sobre as suas próprias roupas, isto é mergulhado nas suas próprias conjecturas.
  Olhava o vazio, nem a mim nem a Ente, olhava sim para o fim, o fim do início da sua vida há já muito terminada. Não fisicamente, a esse nível mantinha o ilustre porte de um jovem adolescente escondido atrás de uns olhos perdidos numa escuridão inocente. A sua demência ia sim, para além da sua mera beleza térrea, deturpava-lhe aquela mente, elucidava-o numa espécie de cegueira louca, sendo-lhe apenas permitido ver no meio da ociosidade.
  A sua face robusta, mas com feições suaves estava marcada por longas e tortuosas cicatrizes que apenas eram visíveis a si mesmo. Era um fugitivo dos valores sócio-culturais da dita Humanidade, não permitindo que nenhuma Sociedade ou Cultura o controlasse como um simplório e reles ser inócuo – vivendo na ilusão de nunca ter sido socializado nem aculturado, encarando-se apenas como produtor de uma produção alheia -.
 A loucura habitava-lhe o ser, roendo-lhe a aparência social e desmantelando-lhe a engrenagem lógica.
“Louco, louco.” Tantas vezes assim o chamara, mas não serei eu mais demente por estar entranhado no ser de um louco de uma forma tão perpétua!?
 Olhava-me altivamente, como se não entendesse o porquê da minha existência. Era possuidor de uma atitude que em tudo era arrogante mas que aquando esquartejada minuciosamente tornava-se bondosa e carente, era portador de uma inteligência astuta e dono de um olhar profundo. Era destemido e corajoso, ou pelo menos aparentava sê-lo. Gostava de pensar que não se regia por pré-conceitos ou ideias previamente concebidas, ainda que o fizesse.
  Continuava a sua demanda pelo Mundo obscuro do pensar, reflectir e lembrar com os olhos paralisados no meu peito, também nu. Não o compreendia, por mais que fizesse por tentar compreendê-lo. Todo aquele modo abstracto de encarar o Mundo e a existência era-me transcendente. De facto, aquele jovem ali deitado em pleno chão da minha sala, a olhar para o meu peito como se através dele conseguisse ver toda a realidade cósmica representava o cerne de todos nós. Representava a existência na sua forma mais crua, mais desnudada, primordial e inconstante. Representava o homem segundo os seus preceitos mais básicos: pensar, raciocinar, questionar. Representava a Humanidade na sua pureza mais impura: o pensamento corrompido. Corroído pelo outrem, que de modo mais inconsciente e discreto possível acabava por nos corromper a todos numa espécie de conjuração errónea sobre o curso colectivo de um Mundo individualizado. Fechou os olhos. Continuou a voar, com um certo esgar de prazer nos lábios. Murmurou, numa voz de ironia :
- Só vivemos uma vez, não no sentido totalista da cena. Mas sim no sentido momentâneo e existencial, só vives agora, nunca mais viverás o que viveste há 1 segundo. Não te irrita!? Não te faz interrogar sobre qual o verdadeiro sentido de tudo isto!? Se só vives uma vez a pensar que viverás amanhã e a relembrar que viveste ontem, quão real és tu!? Serás tu o real e a tua mente a realidade, ou serás tu a realidade e a tua mente o real!? Será que vês através dos olhos do teu corpo, ou dos olhos da tua alma!?